quarta-feira, 2 de novembro de 2011

A pergunta certa, Eugênio Mussak

Faz tempo que acompanho o trabalho do Eugênio Mussak. Nem me lembro mais se tomei contato na Você S/A ou na Vida Simples. O fato é que ele continua colunista nas duas. E ainda é médico, professor, autor de livros, membro do Conselho de Administração da Associação Brasileira de Recursos Humanos e consultor da Sapiens Sapiens, que desenvolve soluções educacionais para organizações.

Enfim, o cidadão é multi, dessas pessoas que admiro tanto, que conseguem se desdobrar e espraiar em todas as direções.

O que gosto nos textos do Eugênio é que são daqueles que nos fazem parar e refletir. Sobre os mais variados temas. Desde a importância do papel do professor, sobre a vida apressada, até a experiência de ter quase desistido de uma viagem de aventura.

E o site da Sapiens Sapiens também. Muito bacana a coluna Papo de Líder Entrevista, em que o Eugênio "entrevista presidentes de empresa, consultores, dirigentes e pessoas que fazem a diferença na área de business e liderança".

Também é possível ler os textos publicados na Você S/A e na Vida Simples.

Para acessar o site clique aqui .

Pra dar o gostinho segue um texto genial:

A pergunta certa

Revista Vida Simples nº 110 01/10/2011 - Por Eugênio Mussak

Conseguir uma boa resposta para nossas dúvidas – cotidianas ou existenciais – depende apenas da maneira como questionamos
- O que aconteceu? Quem fez isso? Como é que pôde acontecer uma coisa dessas?
Essa coleção de perguntas foram disparadas pela vizinha de uma casa, enquanto os bombeiros faziam seu trabalho de rescaldo após terem dominado o fogo que quase a consumira por inteiro. Seus moradores, atônitos, não conseguiram responder. Eles mal entendiam o que estava acontecendo.
O chefe dos bombeiros, um homem grisalho, calejado pelos anos dedicados a acudir tragédias e, quando possível, mitigar o sofrimento humano, afastou gentilmente a vizinha tagarela da família que olhava a cena, incrédula. Foi quando chegou uma segunda vizinha que falou suavemente com ele, dizendo:
- Desculpe, senhor, gostaria de saber: há alguma coisa que possamos fazer para ajudar?
- Obrigado – respondeu o bombeiro – por enquanto, tudo o que você pode fazer é consolar a família, quem sabe recolhendo-a à sua casa. Ah, e obrigado também por fazer a pergunta certa.
O bombeiro, institivamente, se referiu a um ponto crucial para ajudar a encontrar as respostas para nossas dúvidas, angústias e questionamentos dentro da fantástica complexidade do mundo em que vivemos: fazer a pergunta certa. Sem perceber estamos tomando decisões o tempo todo e nos posicionando nos instantes da vida. Encontrar as respostas que nos ajudarão a tomar decisões é fundamental, e o que custamos a perceber, é que as respostas existem a priori, desde que sejam feitas as perguntas certas.
As três perguntas feitas pela primeira vizinha não tinham nexo, e as respostas, além de óbvias, seriam totalmente irrelevantes. Perguntar o que aconteceu diante de uma casa que pega fogo tem a mesma relevância que comentar o tempo dentro de um elevador com o morador do andar de cima, ou zoar com o amigo cujo time perdeu para o seu – nenhuma. Foram feitas apenas para satisfazer a curiosidade, não para agregar valor. Além disso, nenhuma pergunta é tão difícil de responder do que aquela cuja resposta é óbvia.
Era evidente que a casa estava pegando fogo, era certo que a família estava sofrendo, estava claro que os bombeiros estavam controlando a situação. Como começou o fogo? Assunto para depois, agora é tratar de colaborar ou, pelo menos, de não atrapalhar. Realmente, a segunda vizinha fez a pergunta adequada: como posso ajudar?

O âmago da questão
Encontrar o centro geométrico de uma questão qualquer é a maneira de interpretar, entender, resolver e decidir. Só que, ainda que não pareça, fazer isso tem lá suas dificuldades. Leva tempo. Você já participou daquela brincadeira juvenil de descobrir quem é o personagem imaginado pelo outro, que fica respondendo apenas “sim” e “não”? Se você descobrir com poucas perguntas, ganha o jogo, se com muitas, perde.
Pois há técnica para encontrar a pista, fazendo as perguntas certas na ordem certa. O ideal é começar pelas perguntas mais genéricas, tipo “É homem?” ou “Está vivo?”, antes de tentar descobrir a profissão ou a nacionalidade. Os bons jogadores dificilmente passam de meia dúzia de perguntas para acertar em cheio.
Pois na vida também é assim. Entrevistadores de candidatos a emprego, executivos em processos de negociação e, claro, advogados e promotores nos tribunais, são especialistas em fazer a pergunta certa, aquela cuja resposta será definitivamente esclarecedora.
Quando estudei medicina aprendi a conduzir a anamnese, que nada mais é do que a conversa que o médico tem com o paciente. Este diálogo é importantíssimo e, às vezes, tão revelador que, quando bem conduzido, já revela o diagnóstico. “Grandes clínicos são excelentes conversadores”, costumava nos dizer um famoso professor.
Pode não ficar claro para o paciente, mas o médico lhe faz basicamente três perguntas: Qual é sua queixa?, Como é sua família?, Quais são seus hábitos de vida? – Se essas três questões básicas forem respondidas adequadamente, é difícil que um médico bem preparado não tenha nas mãos pelo menos uma bela hipótese diagnóstica. O exame físico e os exames laboratoriais passam a ser apenas confirmadores de tal suspeita.
Perguntas certas abreviam as respostas, aceleram o processo de tomada de decisão, e até permitem que o médico faça diagnósticos à distância. Recém formado recebi um telefonema de uma amiga da família pedindo uma indicação de um remédio, pois seu marido, um homem de mais de cinquenta anos, queixava-se de fortes dores no estomago. Fazendo as perguntas certas descobri que ele não tinha dores de estomago frequentes, não tinha se alimentado fora do padrão e, o mais revelador, a dor tinha começado imediatamente após ter trocado o pneu do carro. “Corra para o hospital com ele, é muito provável que ele esteja tendo um enfarte”. É comum que a dor do enfarte do miocárdio seja confundida com outro tipo de dor, e as perguntas certas me permitiram salvar a vida de uma pessoa querida. Orgulho-me dessa lembrança.

Chega de rodeios
O tema da pergunta certa é muito sutil e, geral, passa ao largo de nossa atenção, pois se trata de algo aparentemente óbvio. Mas não é. Gasta-se muita energia com interlocuções que não chegam a lugar nenhum, simplesmente porque alguém faz uma pergunta errada e ela desvia totalmente o rumo da conversa. Pense um pouco, já aconteceu com você.
Pode parecer exagero, mas existe uma organização que foi criada exatamente para estimular que se façam as perguntas certas nos lugares onde isso é crucial para que os bons resultados sejam atingidos. Trata-se da Right Question Institute (Instituto da Pergunta Certa), cujo nome não podia ser mais assertivo. Localizado próximo à cidade de Cambridge, na costa leste dos Estados Unidos, o Instituto tem como missão promover o uso de estratégias simples, poderosas, baseadas em evidências, que ajudam as pessoas a aprender a ajudar a si mesmas. Nobre missão.
A ideia do RQI não começou num laboratório ou a partir de uma estudo acadêmico. Começou com um programa de prevenção de abandono escolar, durante o qual notou-se que os pais dos alunos que não se envolviam na educação de seus filhos justificavam sua ausência dizendo que “nem sabiam o que perguntar a eles”.
A partir dessa observação os educadores identificaram um imenso obstáculo de relacionamento dos pais com os filhos, mas também de cada pessoa consigo mesma, pois também devemos nos fazer as perguntas certas, para começarmos a encontrar nossos próprios caminhos.
O RQI admite ter cometido um erro. Assim que perceberam a importância das perguntas certas, seus fundadores criaram uma lista de perguntas recomendadas para tais pais. Rapidamente essa estratégia os direcionou para uma rua sem saída, pois aumentou a dependência dos pais que queriam ajudar na educação de seus filhos. Perguntas certas não podem ser padronizadas, a não ser em situações extremamente controladas, como uma consulta médica. Na vida, o buraco é mais embaixo.
Foi assim que perceberam que precisavam encontrar uma forma de ensinar as pessoas a formular suas próprias perguntas. Claro, esse é o caminho da autonomia, essa grande riqueza humana. Foi a origem do Question Formulation Technique (Técnica de Formulação de Questões) que, se bem aplicado, remove as barreiras que impedem que se vá direto ao ponto. A forma mais eficaz de formular perguntas é focar as perguntas nas decisões chaves que nos afetam, o que é mais difícil do que parece, pois todos temos uma imensa compulsão de não querermos enfrentar de frente nossas questões mais dolorosas.
A evolução de tal trabalho deu origem ao Framework for Accountable Decision-Making (Estrutura para Tomada de Decisão Responsável) que passou a ser adotada por escolas e empresas. É, a coisa é séria. Tão séria que os pesquisadores notaram uma correlação direta entre a capacidade das pessoas fazerem perguntas certas e, pasme, a instalação e manutenção dos estados democráticos. Cidadãos que não permitem que se tape o sol com a peneira, e que fazem a seus representantes no governo as perguntas que interessam, não se deixam enganar, reivindicam seus direitos e são mais colaborativos. Poderia haver maior poder para a pergunta certa?

Esteja atento
Como já disse, quando fazemos as perguntas certas, somos surpreendidos com a facilidade com que as respostas surgem. Estas já existem, só precisam ser acessadas.
Minha amiga Dulce, uma pessoa pra lá de sábia, com quem dá gosto de trocar uma ideia, defende a teoria de que estamos cercados de respostas, é só olhar em volta. Nos livros, nas músicas, nos poemas, também no semblante das pessoas, na reação delas e, por incrível que pareça, até em cartazes e sinais de trânsito.
Conta que certa vez acompanhava uma pessoa em uma visita à sua empresa, ouvindo no carro, uma enxurrada de queixas sobre sua vida profissional e pessoal. Foi quando ela lhe estimulou a fazer-se a si mesmo, a pergunta crucial, aquela que tocava na ferida, e que, por isso mesmo ele tratava de evitar. Ele então disse algo como “Por que ando tão infeliz, se, afinal, até aqui, consegui tudo o que desejava?”.
Nesse momento eles estavam chegando na entrada da empresa que, muito preocupada com segurança, tinha, em seu portão uma guarita, um guarda e um cartaz que dava cinco instruções aos chegantes: Pare. Apague as luzes externas. Acenda as luzes internas. Identifique-se. Siga.
Aquele era o portão pelo qual ele passava todos os dias, e nunca tinha reparado naqueles dizeres, ou nunca havia lhes dado outra interpretação que não a de definirem procedimentos de segurança. Mas a resposta estava para seu dilema existencial estava ali, diante de seus olhos. Mansamente, Dulce apontou aquele cartaz e lhe disse:
- Pois aí está uma boa sugestão. Você está precisando de um tempo para você mesmo antes de prosseguir. Se não aumentar sua consciência e não diminuir a dependência do mundo para tomar suas decisões, dificilmente se encontrará a si mesmo.
Pois é, parece que o que não faltam no mundo são respostas. A carência maior é de perguntas certas. Não evite as perguntas, não tenha medo delas, elas é que são o caminho. Afinal, como disse o Bruce Lee, filosofando, entre uma luta e outra: “Um homem sábio aprende mais com uma pergunta tola do que um tolo aprende com uma resposta sábia”.

Para ler o original, clique aqui .

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